3 Inglês

Na Infinita Solidão Dessa Hora...Henk Nieman 2

O espetáculo “NA INFINITA SOLIDÃO DESSA HORA E DESSE LUGAR” da Cia. Corpos Nômades, com direção de João Andreazzi, apresenta uma composição cênica coreográfica, que parte dos estímulos: Rua Augusta, textos de Bernard-Marie Koltès, e ideias e pensamentos de Deleuze e Guattari. São esses, os mananciais que alimentam a corporeidade e a vocalidade dos intérpretes nas cenas, que constroem uma atmosfera de realidade imperfeita, vinda da existência da espécie humana, que a Rua Augusta magistralmente captura e absorve de forma poética. Podemos apreciar esses estímulos na obra de Deleuze e Guattari, com suas influências dos corpos masoquistas, esquizofrênicos e paranoicos e também sentir nas imagens geradas pelas falas dos personagens: “Cliente” e “Dealer” presentes na peça “Na Solidão dos Campos de Algodão” de Koltès.

Sabe-se que as primeiras referências da rua datam de 1875, década de 70 do século XIX, chamando-se inicialmente de Rua Maria Augusta, e em 1897 já aparece como Rua Augusta. Foi parte das terras do português Manuel Antonio Vieira, dono da Chácara do Capão desde 1880, quando abriu várias ruas no bairro da Bela Sintra, inclusive a Rua da Real Grandeza, atual Avenida Paulista.
O francês Bernard-Marie Koltès (1948-1989), conseguiu produzir intensamente e fez história na dramaturgia, seja escrevendo roteiros, novelas e, principalmente, peças de teatro. Foram ao todo 22 textos traduzidos para mais de 30 línguas e montados em 50 países, aproximadamente.
Em Mil Platôs, Deleuze e Guattari enfatizam que o “nômade não tem pontos, trajetos, nem terra, embora ele os tenha. Se o nômade pode ser chamado de Desterritorializado por excelência, é justamente por que a reterritorialização não se faz depois, como no migrante, nem em outra coisa, como no sedentário. Para o nômade, ao contrário, é a desterritorialização que constitui sua relação com a terra, por isso ele se reterritorializa na própria desterritorialização. É a terra que se desterritorializa ela mesma, de modo que o nômade aí encontra um territorio. A terra deixa de ser terra, e tende a tornar-se simples solo ou suporte.”

Na Infinita Solidão Dessa Hora...Henk Nieman

Sobre a montagem do espetáculo

A construção desse espetáculo teve forte contágio das investidas experimentais com a Rua Augusta, respaldados pelos pensamentos e movimentos advindos da contra cultura da geração beat, dos manifestos de Oswald de Andrade (que morou ao lado do Espaço Cênico O LUGAR), dos corpos vendidos e comercializados das prostitutas e dos seres imaginários e suas histórias fantásticas, que como artistas andarilhos notívagos se expõem noite adentro.

Cia Corpos Nomades- foto Henk Nieman04

Os alicerces que suportaram os corpos que daí surgiram foram dados por Guattari e Deleuze, em seus volumosos Mil Platôs, como o capítulo “Como Criar para Si um Corpo sem Órgãos”. Esses corpos propuseram novas possibilidades de reflexões existenciais, e elaboraram um conflito de discussão entre a loucura e a racionalidade, o isolamento no meio da multidão, o crime e a cumplicidade, a desigualdade, a desterritorialização e a territorialização, o desejo comprado e o vendido. O transitório e a ideia do corpo nômade foram também a matéria-prima para elaboração dessa roupagem intrigante que coloca em exposição algumas das essencialidades características do corpo e da alma contemporâneos.

As ideias presentes nos pensamentos do geógrafo Milton Santos que serviram de motivação para dar nome de O LUGAR na sede da Companhia, também ajudaram na noção de uma “transcriação” que ocorre no lugar, na terra, no espaço, e como afeta ou transforma o corpo. O abandono e o resgate, do corpo, do prédio, do objeto, da sensação de reerguer-se, também foram uma fonte de inspiração.

“Eu não estou aqui para dar prazer, mas para preencher o abismo do desejo, recordar o desejo, obrigar o desejo a ter um nome, arrastá-lo até a terra, dar-lhe uma forma e um peso, com a crueldade obrigatória que existe em dar uma forma e um peso ao desejo. E porque eu vejo o seu aparecer como saliva no canto dos seus olhos, que escorre pelo seu rosto e seus lábios engolem, eu esperarei que ele corra ao longo do seu queixo ou que você o cuspa antes de te dar um lenço, porque se eu te der o lenço cedo demais, eu sei que você o recusaria, e é um sofrimento que eu definitivamente não quero sofrer.

…você conhece estas ruas, você conhece esta hora, você conhece os seus planos; eu, eu não conheço nada, eu arrisco tudo. Na sua frente, eu estou como na frente desses homens travestidos em mulheres que se fantasiam de homens, no fim, não se sabe mais onde está o sexo. “ Bernard-Marie Koltès.